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Review This Story || Author: Magira

Vento Sobre o Mar (in Portuguese)

Part 1

16/12/02

Sucker love is heaven sent
You pucker up, our passion's spent

My body's broken, yours is spent

Still there´s nothing else to do

Every me and every you

Placebo

Sala de aula. Oito horas da manhã. Aula de filosofia. O professor tinha saído por alguns momentos, e a maioria dos alunos estava escrevendo, alguns estavam conversando e uns poucos estavam dormindo. Virgínia sentava largada na cadeira, olhando para a janela. Um vento frio soprava lá fora, o dia estava cinzento, talvez chovesse mais tarde. Ótimo. Ela gostava de dias assim.

A jaqueta que estava usando era bem quente e ela se aninhou dentro do tecido, desfrutando do prazer daquele abraço macio, pensando vagamente em como a voz do professor parecia vir de longe, como seus olhos estavam pesados, como ela queria...

A comoção na sala atrapalhou um pouco sua concentração, e ela procurou ver o que é que tinha acontecido. Quando percebeu o que era, seu sono foi embora como mágica, deixando no lugar uma sensação angustiante que não compreendia.

Virgínia ficou olhando fixamente enquanto Lizzie entrava e atravessava a sala como se estivesse numa passarela. Sem parar de andar, ela se virou para acenar para alguém, sorriu para outra pessoa, seu cabelo liso e comprido balançando no ar com cada movimento, o rosto bonito cheio de vida e juventude.

Ela chegou em sua carteira e sentou-se, virando-se para o lado e puxando conversa com um dos meninos. O escolhido do dia olhou para ela, maravilhado com sua sorte e Virgínia viu a expressão da menina, alegre, provocante, se comprazendo na admiração que provocava. Uma onda quente, irada e sufocante subiu no peito da garota. A risada argentina de Lizzie soou alta no meio do semi-silêncio dos jovens que estudavam e conversavam, e Virgínia a escutou como se não houvesse outro som que a abafasse. Alguma coisa escura e amarga se fechava dentro dela, e Lizzie continuava rindo, gracejando, brincando com seu admirador. O garoto tinha puxado a cadeira para mais perto dela, e seu braço envolvia agora a cintura da menina, puxando o corpo delgado contra si. Devia estar inebriado de prazer, não eram muitos que tinham a honra de...

Não, pensou Virgínia venenosa, eram muitos sim. Lizzie era generosa com seu corpo, e um rapaz não precisava de muito para provar do que ela tinha a oferecer.

Lizzie se perturbou com alguma coisa, talvez sentisse nas costas a força do olhar de Virgínia e se virou, buscando pela sala a fonte do incômodo. Os olhos das duas meninas se cruzaram por um breve momento, em que Virgínia fez questão de erguer o queixo, beligerante, e Lizzie rapidamente se voltou para sua corte.

Virgínia sorriu maldosamente. Eram poucos os que não se deixavam intimidar pelo seu jeito hostil, e mesmo esses preferiam manter uma certa distancia dela. A garota aproveitava qualquer chance mínima para descarregar a agressividade, e mesmo Lizzie , recém chegada na escola, sabia de sua fama.

Ela endireitou as costas. Ainda não tinha encontrado ocasião de mostrar a Lizzie que essa fama era plenamente justificada, mas isso era só uma questão de tempo. Estava só esperando uma chance, uma falha mínima da beldade da escola para lhe mostrar que ela não era evitada a troco de nada. Era só questão de tempo, ela acreditava. E a escuridão ameaçou se fechar de novo, obrigando Virgínia a sacudir a cabeça para clarear as idéias. Só uma questão de tempo.

*

*     *

Elizabeth encarou o rapaz ao seu lado com seus lindos olhos azul-piscina, e reprimiu com dificuldade uma careta de desprezo.Ele estava comentando alguma coisa a respeito de um novo modelo de carros, coisa que não  a interessaria nem que fosse o ultimo assunto na face da terra, e muito menos hoje, que ela estava com o coração despedaçado.

As palavras de sua mãe ainda estavam ressoando em seus ouvidos, como se viessem de sua própria consciência, sem parar, repetindo e repetindo.

Tortura.

Não é sua culpa. É o nosso relacionamento que está se deteriorando...

Como se uma vida inteira fosse uma lata de comida que se estraga e joga fora.

Você não precisa se preocupar. Vamos continuar amando você como sempre, mesmo que não estejamos juntos...

Não precisava se preocupar? Se mesmo agora, enquanto eles ainda estavam juntos, o relacionamento com ela já estava mudando! Se não era sua culpa, por que mamãe não era mais capaz de conversar com ela sem acabar gritando? Porque papai não vinha mais pra casa?

Porque eles olhavam para ela como se ela fosse a causa de todos aqueles problemas, daquele “ deterioramento ”?

Porque aquele cara não mudava de assunto e tirava de sua cabeça dessas questões que estavam se repetindo desde a manha de segunda-feira?

Ela correu o olhar discretamente pela sala, parando sem querer na menina de jaqueta de couro que se sentava sempre na ultima carteira. Virgínia. Menina nojenta. Sempre de cara amarrada, sempre de mal com a vida, sempre... sempre olhando para ela, Elizabeth, como se fosse a dona da escola e estivesse disposta a provar. Elizabeth sentiu o sangue ferver. Já não bastavam seus próprios problemas, ainda tinha que agüentar o olhar intimativo daquela metida.

Os olhares das duas se encontraram, negro contra azul, e Elizabeth olhou para frente. Contato visual não era um de seus pontos fortes. Mesmo com seus amigos, ela olhava nos olhos apenas o bastante para demonstrar atenção e se fixava em algum outro ponto, a boca ou o queixo.  

Mesmo olhando para o menino ao seu lado – que, pelo amor de Deus, ainda estava falando de carros! – Ela sabia que Virgínia olhava para ela. Dava para sentir, queimando em suas costas, duro como aço e quente como fogo, testando a resistência da menina até o limite.

Quando o professor deu a chance, ela agiu por impulso, uma travessura inofensiva contra a garota que se orgulhava de ser durona .

Virgínia não parecera ofendida, só um pouco surpresa, mas o espanto no rosto dos colegas e até mesmo do professor a deixaram um pouco insegura. Por um momento, uma apreensão desconfortável abriu espaço no espírito da menina, mas, no oceano de dúvidas e desgosto que já estava dentro dela, se perdeu no meio da ladainha de frases de mamãe e papai, que recomeçaram como um disco riscado sua missão de tormento.

Não é sua culpa. Vamos amar você assim mesmo...

*

*    *

-Hoje nós vamos discutir a questão da sexualidade, disse o professor – Alguém tem alguma coisa pra dizer?

Virgínia suspirou. Quando eles não estavam discutindo a sexualidade, estavam discutindo os méritos de permanecer virgem por longo tempo ou de se experimentar drogas ilícitas. A aula de filosofia era a própria definição da falta de criatividade.

-Vamos, gente, vocês devem ter algum pensamento sobre isso. Ninguém quer falar? Carlos? Sílvia?  Elisabeth?

Sílvia fingiu que não estava ali. Carlos pensou um pouco:

-Bom... sabe, psor ...esse é um assunto meio delicado, né ...

Ou ele estava enrolando ou estava preparando uma brincadeira, e de qualquer forma Virgínia não ligava. O professor olhou para o aluno, interessado:

-E por que você diz isso, Carlos?

-Sabe, né ... – o garoto disfarçava um sorriso –Nessa sala... tem muita gente estranha... se a gente discutir isso, pode acabar ofendendo alguém...

-Nós não vamos entrar em assuntos pessoais, respondeu o professor. Até ele estava curioso para saber o que o garoto queria aprontar – Pode dar a sua opinião.

-Bom, se você diz... a minha opinião é que as pessoas têm que assumir a sexualidade delas, sabe, tipo assim... o Robson, por exemplo, não assume a dele por que ele tem medo de não ser aceito.

Risadinhas na sala. Virgínia revirou os olhos enquanto Robson devolvia uma resposta grosseira e bem humorada.

Lizzie a surpreendeu nesse momento:

-Isso acontece com muitas meninas, também, Cal – ela sorriu, entrando na travessura – Escondem o que elas querem por que se não...

-Mas nos caras todo mundo desconfia, tipo, olha só o Robson...

-Nas meninas também, disse Lizzie , virando-se na cadeira pra olhar para Virgínia.

Mais risadinhas de alguns pontos indefinidos da classe, e Virgínia nem ligou, olhando surpresa para Lizzie . Como era possível alguém ser tão estúpido?

Lizzie devia ter perdido o amor pela vida, porque ela continuou:

-A gente vê, sabe, pelo comportamento. Fica meio óbvio, sabe... eu não quero citar nomes, mas...

O olhar azul sempre em Virgínia, ela sorriu, maliciosa:

-Eu acho que todo mundo sabe de quem eu estou falando, né ?

Carlos sorriu, meio incerto. Nem mesmo ele gostava de provocar Virgínia, e os olhos escuros da menina não mostravam nem sombra de bom-humor. O professor clareou a garganta:

-Bom, então, isso é muito interessante, mas não é uma opinião. Exatamente o que vocês acham dessas pessoas?

-Eu acho que os gays têm mais é que morrer, respondeu Robson.

- Tá vendo como ele não assume? Riu Carlos.

-Gente, vamos falar sério, reclamou o professor. – Vocês não percebem que...

Virgínia se desligou da voz dele, contemplando o longo cabelo de Lizzie . Menininha atrevida. Mas ela não estava com raiva.  A sempre presente escuridão a envolvia como um manto quente, aconchegante, dentro e fora de seu corpo. Ela se rendeu às trevas, dando-lhes as boas-vindas. Lizzie podia provocar o quanto quisesse. Só tornaria o ajuste de contas mais compensador.

*

*     *

-Você não devia ter falado daquele jeito, disse Robson para Lizzie . A menina sorriu:

-Falado o quê? De que jeito?

-Com a Virgínia. Ela vai acabar com você.

-Eu nem falei com ela...

-Ah, vai. Todo mundo percebeu a sua indireta.

Lizzie abanou a cabeça:

- Tá , e daí? O que ela pode fazer? Eu não citei nome nenhum.

-Isso não vai ter importância pra uma louca daquelas. Você pode esperar, Liz, ela vai quebrar a sua cara.

A menina inclinou a cabeça num gesto suave, fazendo biquinho:

-Quer dizer que você não vai me proteger?

Robson sorriu. Lizzie sorriu de volta, esquecendo o aviso que ele tinha acabado de dar.

*

*     *

-Eu não quero uma festa, disse Elizabeth.

-Mas, filhinha, é o seu aniversário...

-Eu sei! Mas eu não estou com vontade de fazer festa.

-Querida, eu sei que você está triste, mas você não pode se entregar a isso agora. É a sua festa de dezesseis anos, você sempre esperou por isso...

A discussão estava acontecendo na sala de estar da grande casa de Elizabeth, a menina sentada no sofá e sua mãe na mesinha de café em frente a ela. Elizabeth segurava com dificuldade a vontade de ser malcriada.

-Eu não quero. Eu não estou a fim de ver gente...

-Você diz isso agora, porque a casa está vazia. Você vai ver que divertido que vai ser quando chegar o dia...

Elizabeth percebeu que estava lutando uma batalha perdida. Mesmo assim, ela fez mais uma tentativa.

-Eu nem conheço o pessoal da escola ainda... eles não vão querer vir...

Mamãe sorriu, levantando-se:

- Você ainda não conhece o pessoal? Ora, filhinha. Você sabe que não é verdade. Faça os convites amanhã. Vamos dar a festa no sábado, e você vai ver como vai se divertir.

Ela fez uma carícia na pele macia do rosto de Elizabeth e saiu da sala, pronta para começar os preparativos. A menina detectou um leve traço de desespero naquela pressa toda, mas não pode evitar o ar de derrota de se estampar em sua face. Uma festa agora. Era tudo o que ela NÃO precisava.

*

*   *

-Então – disse Lizzie com um sorriso de estrela – Todo mundo está convidado, viu, gente?

Virgínia afundou na cadeira, frustrada. Uma festa. Festas eram o pior lugar possível para o tipo de conversa que ela pretendia ter com Florzinha , mas paciência. A escola também não era o mais indicado.

-Eu não sei onde você mora, disse ela tranqüilamente.

Lizzie , de pé na frente da sala, virou-se para ela com um ar de profundo espanto:

-Você vai?

-Você disse que todo mundo está convidado. Eu não estou?

- Hum .. bom... está, mas... eu só pensei...

Virgínia deixou-a gaguejar por alguns segundos, consciente do olhar dos colegas parado em si mesma:

-Onde é, Elizabeth?

-Rua Amarílis, murmurou a garota – Número 23 – ela ficou parada um momento, lutando para não se deixar dobrar por Virgínia assim tão fácil – Mas eu não sei vai ser o seu tipo de festa... então, se você não puder ir, não precisa se esforçar, tá legal?

Virgínia sorriu, indiferente, enquanto todo mundo engasgava:

-Muito obrigada. Não se preocupe que eu estarei lá. Eu não perderia isso por nada.

*

*   *

A festa era bem parecida com todas as outras festas que Virgínia tinha visto. Aquela mesma coisa escura com música bem alta e refrigerante gelado na garagem de uma casa grande e bonita. Um pouco surpresa, ela viu que não havia bebidas alcoólicas. Muita gente estava dançando, beijando, se esfregando, e ela acabou ficando irritada. Lizzie entrava e saia da multidão, conversando, sorrindo, brincando com todo mundo. As duas ainda não tinham trocado uma palavra, mas Virgínia não tirara os olhos dela a noite inteira.

O vestido justo e curto, acima dos joelhos, se colava ao corpo da garota como uma segunda pele, mostrando cada detalhe dos seios e da curva dos quadris. O tecido abraçava a cintura fina, revelando, escondendo, atormentando, provocando, de propósito e, com certeza, cuidadosamente preparado pelo talento da mocinha em seduzir. Quando ela resolveu dançar, Virgínia teve a impressão de que a massa de adolescentes espalhados por ali se abrira para que todos pudessem admirar aquela maravilha que era o corpo de Lizzie em movimento. Os olhos das duas se encontraram uma vez, vento sobre o mar, e mais uma vez Lizzie retrocedeu, desviando seu rosto. Foi naquele momento em que Virgínia decidiu, nessa noite ela faria alguma coisa, poria um fim naquele tormento que estava lhe tirando o sono e a concentração. Fizesse ou não Lizzie por merecer, provocasse ela ou não, hoje seria o dia do ajuste de contas.

*

*     *

Elizabeth queria morrer. De verdade. Fechar os olhos e nunca mais abrir. Desde anteontem ela e mamãe estavam discutindo sem parar, por causa da comida, da decoração, das roupas que ela ia usar, do tempo que ia fazer, da cotação do dólar, de tudo o que se pudesse imaginar. Essa festa não tinha feito mais do que acrescentar mais estresse por cima do que ela já estava sentindo. Ela estivera a beira das lágrimas mais vezes nos últimos dois dias do que em toda a sua vida, e não tinha chorado nenhuma vez. A cada uma, ela apertava a boca e endurecia o coração, disposta a ser madura e adulta para sua mãe, mesmo que sua vontade fosse se jogar no chão e fazer um escândalo como se tivesse dois anos de idade, em vez invés dos dezesseis que estava celebrando agora.

A menina mal-humorada de sua classe tinha ido mesmo, muito para sua surpresa. Elizabeth não sabia bem o que pensar disso. Cada vez que ela olhava de relance para a garota, encontrava os olhos dela fixos nos seus. Calmo, parado, inexpressivo olhar que não a deixava um minuto sequer. Ela estava quase pensando em ir até lá perguntar o que a menina queria com ela. Ou lhe dizer para ir olhar para outra coisa.

Ela entrou em casa, tensa, irritada, sem saber direito o que queria. Encontrou com sua mãe no caminho para a cozinha:

-Aonde você vai, benzinho?

-Pro meu quarto, resmungou Elizabeth.

-Pro seu... você não está gostando da festa?

Mamãe estava séria. Elizabeth podia ver que ela também estava lutando para se controlar:

-Não. Eu vou ver se eu descanso um pouco.

-Mas e os seus colegas?

-Eles estão se divertindo bastante sem a minha ajuda – os olhos azuis eram previsão de tempestade. Mamãe não se deixou intimidar:

-Você não pode fazer isso, Elizabeth, seria uma grande grosse -

-Ah, me deixa em paz, interrompeu a menina – Você que quis fazer essa festa, pode ir lá entreter todo mundo se quiser!

Ela se virou para a escada e subiu quase correndo. Mamãe ficou parada um instante, surpresa, depois seu rosto sombreou. Decidida, ela foi atrás de sua filha.

*

*     *

Numa das vezes em que Lizzie entrou em casa, Virgínia resolveu ir atrás dela. Ela viu de longe a breve discussão da menina com a mãe, viu Lizzie sair como uma garotinha furiosa e a mulher segui-la com um passo firme, e sorriu sem querer. Lizzie provavelmente ia ter uma desagradável surpresa. Ela subiu as escadas também sem um segundo de hesitação.

*

*     *

Elizabeth bateu com toda a força a porta do quarto e se jogou na cama, segurando o choro que estava forçando para sair, e levou um susto quando a porta se abriu com o mesmo ímpeto com que tinha sido fechada.

-O que você pensa que está fazendo? Perguntou mamãe, num tom que mal continha a irritação – Você precisa ficar lá embaixo!

-Eu não quero – Elizabeth escondeu o rosto no travesseiro.

-Elizabeth!

-Eu já falei que não quero, tá ? – ela ergueu o rosto de novo, frustrada a ponto de perder o bom-senso– Me deixa em paz! Essa festa estúpida foi sua idéia, fique você lá embaixo!!

Ela abaixou a cabeça, pretendendo ficar assim, mas mamãe segurou seu braço de repente a puxou da cama:

-Muito bem, se você vai agir como uma criancinha, eu vou tratar você como uma criancinha.

Ela puxou a filha, desequilibrada e tropeçando, para fora da cama, apertando o braço fino em sua mão. Elizabeth já tinha passado por isso vezes o bastante para prever o que ia acontecer, e tentou com toda força se soltar e escapar dali.

-Não, mãe, me desculpe, eu não preciso disso, eu vou descer, eu-

-Fique parada ou só vai piorar as coisas, disse a mãe secamente. Ela virou Elizabeth contra seu braço, as duas muito próximas e ergueu a mão:

-Você vai aprender a se comportar.

-Não precisa, sério, eu –AI!!

A mãe bateu com força no traseiro da menina, por cima do vestido, ignorando os gritos e gemidos, até se dar por satisfeita. Elizabeth se sentia pequena nos braços da mãe, a dor humilhante colorindo seu rosto de vermelho. As lágrimas encheram seus olhos e ela os fechou bem apertados, represando tudo dentro das pálpebras.   

Quando a mulher resolveu que sua filhinha já tinha recebido o bastante, ela afastou Elizabeth de si, segurando-a pelos braços:

-Eu espero que você tenha entendido a mensagem.

-Sim senhora, murmurou ela, mantendo a cabeça abaixada.

-Agora.... – a mãe pensou um segundo, indecisa, depois soltou Elizabeth. Ela puxou a cadeira da escrivaninha e a levou até o canto do quarto, voltada para a parede – Você vai ficar sentada aqui até eu dizer que você pode sair.  

-Sim senhora – Elizabeth segurou um soluço, ainda sem erguer o rosto. Mamãe a guiou pelo ombro até a cadeira e ela se sentou, mordendo os lábios para segurar um gritinho de dor.

Houve um momento de silêncio em que ela ficou sem saber o que mamãe estava fazendo, e logo depois ela ouviu o som da  porta se abrindo e fechando.

Elizabeth ficou sozinha no quarto de castigo, ofegante, o coração acelerado martelando dentro do peito.

*

*     *

Quando a mãe de Lizzie saiu, Virgínia entrou em qualquer porta para se esconder. Ela segurava com dificuldade uma risada. Mesmo que ela não tivesse podido ver o que se passara dentro do quarto, os sons que vinham de lá puderam lhe dar uma boa imagem.   

Ela esperou uns cinco minutos antes de virar a maçaneta na mão e entrar. Que bom que a mulher não tinha trancado a porta quando saíra.

O quarto era claro e iluminado, cheio de enfeitinhos nas paredes, uma colcha cor de rosa sobre a cama, ursinhos de pelúcia ao lado do travesseiro. Virgínia revirou os olhos de leve. Lizzie estava sentada de costas para a porta, o rosto escondido nas mãos, cotovelos apoiados nas pernas. Seu cabelo liso, comprido, caia até o assento da cadeira, formando macios anteparos que impediam Virgínia de ver o seu rosto.

Ela fechou a porta barulhentamente. Lizzie ergueu o rosto num movimento rápido, a boca se enchendo de palavras de desculpa, quando deu com Virgínia parada ali.

As palavras morreram em seus lábios. Ela se levantou sem pensar, encarando a colega.

Virgínia disfarçou cuidadosamente um sorriso atrás duma mascara séria e fechada. O cabelo de Lizzie estava uma desordem, o vermelho do rosto ainda mais destacado em trono dos olhos e nos pontos onde ela tinha apoiado a face na palma da mão. Ela nunca parecera tão frágil, tão criança. Ou tão incrivelmente linda.

-Feliz aniversário, disse Virgínia.

Lizzie estava muda. Virgínia se aproximou um pouquinho, só um passo:

-Diga obrigada.

-O que você está fazendo aqui? Perguntou a garota numa voz fina, sumida. Virgínia quase ficou com pena.

Quase.

-Vim te desejar parabéns, é claro. Eu só não entrei logo para não interromper a ceninha com a sua mãe...

Lizzie avermelhou de embaraço:

-Você... – ela respirou, juntando forças, depois prosseguiu numa vozinha frágil, quebradiça – Você não vai contar pra ninguém, né ?

-Claro que eu vou –ela deixou que um sorrisinho malvado aflorasse - Na próxima aula de filosofia. Quando o professor pedir a opinião de alguém.

-Aquilo foi só uma brincadeira – começou Lizzie , desesperada – eu nem falei nada de mais, e você não liga pra esse tipo de coisa, liga? Eu não achei que você fosse se importar, se você quiser eu falo que-

-Oh, pare! – Virgínia abanou a cabeça –Claro que eu não dou a mínima, mas e daí? De qualquer forma essa é uma chance boa demais pra eu perder. Eu já estava achando que ia ter que bater em você, mas aí me aparece essa oportunidade única... eu tenho que aproveitar. Dá licença que eu tenho uma festa pra curtir.

Ela se virou para sair do quarto, ignorando os olhos azuis marejados. Lizzie atravessou o quarto num passo rápido, segurou o braço de Virgínia, tão previsível, suplicando:

-Não faz isso, por favor, não faz isso comigo... ninguém mais vai falar comigo, e eu não... eu preciso... por favor, Virgínia...

Virgínia encarou a garota, os olhos escuros cintilando de prazer:

-Mas isso não é problema meu, é?

-Por favor – a lágrimas ameaçavam escapar dos olhos claros – Por favor...

Virgínia sentiu a mão da menina tremer em seu braço. Seu sorriso aumentou, a escuridão crescendo, se alargando, aumentando até tomar os cantos da visão da moça, ela estendeu a mão e segurou com força o rosto de Lizzie , erguendo o queixo da garota, enfiando os dedos na pele macia.

Lizzie soltou um grito de surpresa, e Virginia sentiu o sangue efervescente correr suas veias:

-Pode parar com isso – sibilou ela, baixando o rosto – Eu vou fazer o que eu quiser.

-Me desculpe- Lizzie estava aterrorizada – Desculpe, eu não quis-eu, me desculpe, eu...

Tão fácil, pensou Virgínia, porque eu demorei tanto para fazer isso?

Ela soltou o rosto de Lizzie , segurou seu braço num gesto fluído, natural, foi guiando a menina até a cama.

-Você não quer que eu conte pra ninguém, disse ela lentamente.

Um brilho de esperança surgiu nos olhos de Lizzie . Virgínia sorriu de novo, maldosa:

-Talvez eu possa fazer um favor pra você... – continuou ela no mesmo tom reflexivo, como se pensasse alto- Mas eu ainda tenho umas contas pra acertar com você, você me entende...

-Mas eu não...

-Eu não gostei do seu comentário na aula. Não gostei mesmo – Virgínia perdeu a aparência de bom humor, seu rosto readquirindo o ar sombrio – E eu vou ter que fazer alguma coisa a respeito. Podia ser falar pra todo mundo, embaraçar você como você fez comigo, ou... – ela fez uma pausa, saboreando a ansiedade de Lizzie – Uma outra coisa que eu pensei agora.

-Que... – Lizzie engoliu em seco, depois molhou os lábios com a ponta da língua – Que coisa?

Virgínia fez com que a garota se sentasse com delicadeza. Lizzie deixou-se guiar docilmente,  olhando para ela quase sem piscar. Virgínia olhou bem dentro daquele azul aquático, também ela fixamente, mergulhada  naquele oceano, até que um soluço sacudiu os ombros de Lizzie e o feitiço se quebrou.

-Um castigo. Eu quero te dar um castigo.

-Que... que tipo de castigo? Perguntou Lizzie numa voz pequena, fraquinha.

-Igual ao que sua mãe te deu.

Os olhos de Lizzie se arregalaram, Virgínia sentiu a boca seca.

-Então? – ela teve que forçar as palavras para fora – O que vai ser?

-Você quer... quer me... – Lizzie estava gaguejando –Você...

-É, você me entendeu – respondeu a moça – E aí?

Lizzie parecia em choque. Virgínia esperou por um momento, depois deu de ombros:

-Muito bem então. A turma vai adorar saber.

Ela virou-se para a porta, foi andando devagar, escondendo o tremor das mãos. Cada passo parecia levantar quilos de chumbo, mas ela chegou até a porta antes de ouvir a vozinha tremula chamar:

-Eu... eu acho que... que tudo bem... – a voz se quebrou, depois continuou, ainda mais débil – Se você não... não machucar muito...

Virgínia não olhou para ela. Fechou a porta em silêncio, depois trancou e tirou a chave. Guardou-a em seu bolso e virou-se para Lizzie , disfarçando o melhor que podia o ar de triunfo.  

-Muito bem.

Ela se aproximou lentamente, o calor dentro dela fulgurando nos olhos dentro de um brilho quase maníaco. Lizzie se encolheu.

Virgínia abriu a boca para dizer alguma coisa, não achou palavra nenhuma. Sua garganta estava vazia, ressecada, não era hora de palavras. Ela segurou Lizzie pelo braço com doçura, quase surpreendendo a si mesma, puxou a menina de pé. Os olhos azuis muito abertos tomaram sua visão, o cabelo castanho espalhado, Virgínia sentou-se na cama e ergueu o vestido de Lizzie até a cintura.

Ela puxou a garota pelo pulso, deitando Lizzie em seu colo. A escuridão aumentou, por um segundo todo o quarto girou em torno dela, o fogo em seu sangue subiu da ponta da unha até a raiz dos cabelos.  

Ela nunca se vira antes numa situação dessas. O traseiro de Lizzie sobre seu joelho, o corpo apoiado na cama, Virgínia apertou as costas da menina, pressionando os seios dela contra a colcha cor de rosa. Um soluço abafado sacudiu Lizzie inteira, ela apertou o tecido macio nas mãos. Virgínia quis de novo dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas sua boca nem sequer se abriu.

Ela ergueu a mão e deu a primeira palmada. Tirando um leve tremor, não houve reação nenhuma. Ela deu a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, e Lizzie gemeu baixinho. Um sorriso selvagem abriu caminho no rosto de Virgínia.

Ela bateu mais, perdeu a conta de quantas vezes, agora os gemidos e gritinhos vinham com freqüência, como uma música dolorida que incitava Virgínia a continuar com toda força que ela podia pôr no braço. Por fim ela parou, um segundo para pensar, depois enfiou os dedos por baixo do elástico da calcinha de Lizzie .

-Por favor – começou a menina. Um soluço cortou sua voz. Virgínia puxou a calcinha até pouco acima dos joelhos de sua vítima, sorriu ao ver a pele vermelha por baixo dela e recomeçou as palmadas. Lizzie começou a chorar.

Virgínia ouviu o som do choro dela, o fogo queimou mais forte, ela ergueu Lizzie e levantou-se. Lizzie tentou sair da cama, Virgínia olhou para ela:

-Fique aí, disse com a voz rouca.

Lizzie obedeceu, soluçando. Ficar sentada era uma tortura, e seu choro, se é que isso era possível, ficou ainda mais forte. Virgínia foi até a escrivaninha, revirou o material escolar sobre ela até achar o que estava procurando. Uma régua de madeira, sessenta centímetros. Seu sorriso assustador ficou ainda mais forte.

- Ok , dona Liz, vamos para a segunda parte.

*

*     *

Elizabeth sentia-se humilhada além das palavras. Nada em sua vida a tinha preparado para uma experiência assim. Ela viu as costas de Virgínia, cobertas pelo tecido escuro da jaqueta, depois fechou os olhos com força, escondendo nas mãos o rosto lavado em lágrimas. Sentiu a mão de Virgínia envolver seu pulso,  puxá-la para cima e ela ficou de pé, agradecida por poder se levantar.

Virgínia não disse uma palavra. Lizzie , abrindo os olhos, se viu contra o corpo da menina, o rosto contra o ombro dela, enquanto o braço de Virgínia enlaçava sua cintura.

Alguma coisa dura acertou seu traseiro, alguma coisa que ardeu como ferro em brasa. Lizzie gritou pela primeira vez.

Gritou pela segunda, depois de novo e de novo, abafando o som contra a jaqueta escura. Nunca fora assim quando mamãe resolvia castiga-la . Nunca doera tanto.

-Não grite tão alto, sussurrou Virgínia, apertando os lábios contra seu ouvido – Quer que alguém escute?

A resposta de Lizzie foi um soluço. E Virgínia seguiu com a tortura.

Por que mamãe não vem, perguntou-se Lizzie , um pensamento coerente no meio da nuvem de agonia, porque o castigo não termina?

Talvez...

A régua de Virgínia cortou o ar com um silvo e desceu sobre a pele de Lizzie , sacudindo a menina.

Talvez...

Ela enfiou os dedos na jaqueta de Virgínia, até sentir que apertava os braços da moça por baixo do tecido espesso.

 

Talve z...

A régua silvou de novo. O soluço de Lizzie dessa vez foi diferente.

Talvez mamãe não pretendesse vir. Talvez sua idéia fosse deixá-la sentada numa cadeira no canto do quarto durante o tempo que durasse sua festa de aniversário, talvez ela não se importasse.

Talvez ela não se importasse.

Lizzie se entregou. Virgínia que batesse o quanto quisesse. Ela não ligava. Talvez até merecesse.

*

*    *

Virginia sentia e não sentia Lizzie no quarto, aquela menina que ficava de pé pela força de sua mão não era mais uma pessoa, era uma boneca, um brinquedo, algo criado exclusivamente para seu uso. Cada soluço, cada tremor do corpo dela mandava a lava nas veias de Virgínia espiralando para cima num fluxo de sangue e fogo, até que sua mão começou a temer também, seus próprios olhos se fecharam contra a sua vontade, e, de repente, todo o seu corpo se sacudiu numa onda de prazer completo e arrebatador, e ela nem percebeu quando largou Lizzie e a garota caiu, gritou junto com ela enquanto seus joelhos se dobravam e ela desabava de quatro no carpete.

*

*     *

O tempo que se passou pode ter sido segundos ou milênios. Nenhuma das garotas poderia dizer. No quarto não se ouvia voz nenhuma, nenhum som que lembrasse a festa que continuava correndo lá embaixo, nada além do choro de Lizzie e a respiração ofegante de Virgínia.

E foi Virgínia a primeira que voltou a si, quando lembrou que tinha que sair dali antes que a mãe de Elizabeth resolvesse voltar e sentiu que poderia se firmar nas pernas de novo. Ela levantou-se com cuidado, sentindo a tontura se dissipar aos poucos. Ajeitou o cabelo. Alisou a jaqueta no corpo e nos braços, apertou de leve a mão no rosto, sentindo o contato com a própria pele, limpando a umidade dos olhos. Bom. Sob controle. De volta ao estado normal, fria e indiferente.

Ela se curvou e, sem muita gentileza, ergueu Lizzie pelo braço, sorriu ao ver o brilho de pânico no olhar azul da menina.

-Relaxa, eu já terminei.

Sua voz ainda estava rouca.

-Mas você precisa ficar sentada, porque... -ela levou Lizzie até a cadeira onde a tinha encontrado -...não queremos a sua mamãe enchendo o saco, certo?

Lizzie ergueu os olhos, inchados e vermelhos, mas não disse nada. Virgínia apertou de leve o braço da garota:

-Aqui. Lamento, mas você vai ter que ficar olhando para a parede.

O lábio de Lizzie tremeu. Virgínia revirou os olhos, buscando o tom mais escarninho que possuía:

- Ok , senta aí e quando ela voltar, vê se disfarça. Foi um prazer falar com você.

Por um momento Lizzie pareceu não saber o que fazer, onde estava, mas logo em seguida ela se sentou. Seu rostinho bonito se contorceu de dor, desconforto, e as lágrimas correram mais rápido.

-Pronto? Não foi tão ruim, foi?

Ela soluçou. As lágrimas desciam pela face, molhavam a boca, pingavam do queixo para o colo manchando o vestido branco.

Virginia ficou parada, olhos fixos, gravando cada detalhe daquela imagem na memória. E depois se virou. Foi até a porta, destrancou a fechadura, virou a maçaneta nos dedos. Por um último segundo ela parou no limiar da porta, uma última vez olhou para Lizzie e depois saiu.

 *

*     *

Na mente de Elizabeth não havia palavra. Nada além de uma sensação borrada de dor e humilhação tão intensas que preenchiam qualquer espaço livre. Quando a porta se abriu de novo, ela se levantou num salto, adrenalina disparando nas veias.

Mamãe estava ali. E Lizzie esqueceu completamente que estava de castigo, esqueceu que, pelas regras que ela já sabia de cor, essa era a hora de humildemente se desculpar. Correu até a mulher, se jogou nos braços dela enterrando o rosto em seu ombro, deixando o choro recomeçar.

E as desculpas vieram num jorro incontrolável, enquanto mamãe a segurava com força e despejava perguntas preocupadas que ela mal escutava.

Em alguns momentos ela foi se sossegando. O abraço de mamãe era quente, cálido e firme, e o pranto convulsivo foi se tornando devagar um soluçar ocasional.

-Querida... querida, o que houve, meu bem? Insistia mamãe, sem que Lizzie respondesse. De olhos fechados, ela sentia apenas o coração se acalmando, o apoio seguro da mãe, o calor e o carinho...

...Os olhos de Virgínia, vazios e escuros, cada vez mais iam parecendo só um pesadelo.

*

*     *

Ninguém estranhou quando Virgínia abriu caminho entre os jovens que dançavam e saiu pelo portão da frente.  Ela atravessou a rua de cabeça erguida, olhos cintilando como pérolas negras na escuridão. Seu passo essa noite era mais que arrogante, mais que seguro de si. Uma sombra de sorriso ameaçava curvar seus lábios. Pela primeira vez toda ela, corpo mente e coração, estava preenchida por algo além de fome insaciável. Seu instinto de predadora fora satisfeito.

Seu passo essa noite transbordava vitória.

Fim


Review This Story || Author: Magira
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